Cientistas revelam como células herdam informação que não está nos genes

15-12-2011 23:37

Descoberta da equipa do IGC pode explicar mais uma possível causa de cancro

2011-12-12

Uma equipa de investigadores do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), liderada por Lars Jansen, descobriu de que forma a memória da identidade de células especializadas é transmitida entre a célula mãe e as duas células filhas que resultam da divisão celular.

Os resultados, publicados na revista Developmental Cell, permitem elucidar um processo biológico até agora enigmático e abrem caminho à compreensão de mais uma possível causa de cancro.

 

A memória da identidade de cada célula especializada (do músculo, da pele ou do cérebro dependendo dos genes que estão activados e desligados) não está inscrita directamente no DNA, no entanto é hereditária (informação epigenética). Esta informação está muitas vezes contida em proteínas e controlam não só os genes mas também a organização dos cromossomas.

Assim, a equipa de investigadores estudou o centrómero, uma estrutura formada por proteínas existente em todos os cromossomas, ligando-os ao esqueleto da célula durante a divisão celular. É o centrómero que assegura que, durante esta divisão, cada célula filha recebe exactamente um conjunto de cromossomas recém formados. Qualquer imperfeição no funcionamento do centrómero pode dar origem a células com o número errado de cromossomas, o que é uma marca de células tumorais.

“Mas como é que a célula copia proteínas? E como é que assegura que se produz o número correcto de cópias?”, questiona Mariana Silva, estudante de doutoramento e primeira autora do estudo. “Abordámos a questão recorrendo ao centrómero como modelo, uma vez que se conhece qual a proteína responsável pelo seu comportamento epigenético”, afirma.

A proteína chama-se CENP-A e mantém a “memória molecular” do centrómero, assegurando que é hereditária. Sabia-se já que as células duplicam o seu DNA antes de entrar no processo de divisão celular (mitose) mas a duplicação do centrómero, conduzido pela proteína CENP-A, ocorre apenas a seguir à mitose.

Neste estudo, Lars Jansen e a sua equipa mostram que os processos de duplicação de DNA e de CENP-A são controlados pelo mesmo complexo, que opera como um relógio molecular, arrastando a progressão sequencial das diferentes fases do ciclo celular.

As proteínas Cdk (cyclin-dependent kinases, em inglês) são componentes chave deste complexo: quando estão activas (antes de se iniciar a mitose), o DNA é duplicado e a duplicação de CENP-A (isto é, dos centrómeros) é inibida. Reciprocamente, quando as proteínas Cdk estão inactivas (a seguir à mitose), CENP-A é duplicado, mas a duplicação do DNA está bloqueada. Fazendo uma analogia com o ciclo diurno, é como se o DNA se duplicasse à meia noite, e o centrómero ao meio dia, graças ao controlo das proteínas Cdk.

Os investigadores chegaram a este modelo através de uma série de experiências em que inibiram a actividade de Cdk em células humanas e de galinha, em determinados instantes. Verificaram que conseguiam ‘enganar’ as células, induzindo-as a produzirem centrómeros novos, mesmo enquanto duplicavam o seu DNA.

“O que descobrimos foi um mecanismo simples e ordenado, através do qual a célula emparelha a duplicação do DNA, a divisão celular e a construção do centrómero. Ao utilizar o mesmo complexo (as proteínas Cdk) para todos estes processos, a célula confere tempos diferentes, bem definidos, a cada processo, assegurando, desta forma, que se produzem o número correcto de cópias de genes e de centrómeros. Manter estes processos separados temporalmente poderá ser crucial para evitar erros em cada um. E elucidar estes princípios gerais de hereditabilidade epigenética é fundamental para a nossa compreensão da regulação dos genes, da organização dos cromossomas e das causas e origens das várias doenças que resultam de erros nestes mecanismos”, afirma Lars Jansen.
 
Ciência Hoje